Em quem confiamos, no chato e seguro ou no divertido mas arriscado?
Na semana passada publicamos um artigo introdutório sobre DeFi no Ethereum. Não vamos repetir todos aqueles conceitos agora. Neste texto, queremos nos concentrar diretamente no que Vitalik Buterin, fundador do Ethereum, escreveu em seu artigo publicado recentemente no blog: “Low-risk defi can be for Ethereum what search was for Google”, ou seja, “As finanças descentralizadas de baixo risco podem ser para o Ethereum o que a busca foi para o Google”. Se você precisa de mais contexto sobre o que é DeFi, recomendamos ler primeiro nosso artigo anterior.
A comparação pode soar estranha no início, mas ajuda a organizar as ideias. O Google tem uma enorme diversidade de produtos e áreas de desenvolvimento. Alguns se tornaram quase básicos, como o buscador, e outros parecem mais futuristas, como os últimos avanços em inteligência artificial. O mesmo acontece no Ethereum: desde o mais elementar, como enviar uma transação, até protocolos sofisticados com inteligência artificial, flashbots ou estratégias complexas de DeFi.
Ambos os extremos fazem parte do mesmo ecossistema, são necessários e valiosos. Mas, onde está o verdadeiro coração que sustenta tudo? Segundo Vitalik, no Google o básico —o buscador e a publicidade associada— é o que gera as receitas que permitem sustentar os outros projetos. No Ethereum, esse papel poderia ser desempenhado pelo DeFi de baixo risco: pagamentos e poupança, as funções mais simples e universais, mas também outras um pouco mais complexas e já testadas, como empréstimos totalmente colateralizados ou ativos sintéticos.
Vale esclarecer que falar de “chato e seguro” frente a “divertido mas arriscado” é uma simplificação exagerada, quase injusta. Serve apenas como recurso narrativo dentro deste texto. O que queremos mostrar é que o que parece menos chamativo pode ser o que sustenta o conjunto.
Vitalik aponta que vale a pena prestar mais atenção a essas opções. Não ficar apenas nas promessas de altos rendimentos nem nas aplicações mais experimentais, porque talvez o que realmente sustente o Ethereum, tanto do ponto de vista econômico quanto social, seja o mais simples: enviar dinheiro, guardá-lo com segurança e acessar instrumentos financeiros básicos sem pedir permissão nem depender de regulações arbitrárias.
O interessante é que, mesmo parecendo elementar, esse uso do Ethereum continua tendo um valor imenso. Pagamentos e poupanças na blockchain são globais, incensuráveis, acessíveis 24 horas. Para quem vive em contextos de exclusão financeira, inflação ou burocracias que complicam o cotidiano, essa “magia simples” pode ser transformadora. E, ao mesmo tempo, gera volume econômico suficiente para sustentar o ecossistema e abrir espaço para que floresçam as propostas mais inovadoras: identidade com privacidade, governança transparente, rastreabilidade, pesquisa, educação.
Essa possibilidade tão simples, mas tão mágica, como diz o próprio Vitalik, para milhões de pessoas que vivem às margens do sistema, já está se tornando a opção que pode impulsionar a adoção em massa do Ethereum. Não só pode sustentar seu modelo econômico, mas também dar fôlego ao desenvolvimento de áreas muito mais experimentais, muitas delas até mais importantes para a humanidade e para o Ethereum, mas com menos chances de gerar receitas sustentáveis. Redes sociais descentralizadas, protocolos de identidade com privacidade, mecanismos de governança e votação transparentes, cadeias de suprimento rastreáveis, certificação de documentos, sistemas de saúde com prontuários on chain, validação de artigos ou financiamento de pesquisas fora das grandes corporações. Tudo isso pode ter um impacto profundo, talvez maior que o simples fato de enviar dinheiro de um lugar a outro —embora isso já seja um grande avanço. O problema é que muitas dessas propostas terão dificuldade em encontrar um modelo de negócios que garanta sua permanência e impacto real.
Vitalik também lembra que esse caminho não termina aí. Um ecossistema sólido de pagamentos e poupança pode dar origem a opções mais avançadas: empréstimos com menor colateral baseados em reputação, mercados de previsão que funcionem como proteção ou novas formas de dinheiro estável, como as chamadas “flatcoins”. Todas essas possibilidades dependem de consolidarmos primeiro o básico.
Assim como uma busca no Google sobre como fazer uma pizza, acompanhada por um anúncio de fermento, acaba financiando desenvolvimentos avançados em inteligência artificial, no Ethereum as transações cotidianas e o uso de stablecoins poderiam ser a base que financia o resto. Isso não significa que o experimental não importe. Pelo contrário, esses desenvolvimentos são vitais para imaginar futuros mais justos e criativos. Mas talvez precisemos aceitar que o motor silencioso que torna tudo possível está no mais simples e estável.
Em seu texto, Vitalik também destaca algo importante: o Google, com o tempo, virou uma corporação focada em maximizar lucros, perdendo parte de seu espírito inicial. O Ethereum não pode cair nesse erro. A descentralização e o fato de que as regras estão escritas em código aberto são a garantia de que o crescimento econômico se alinhe com um propósito social mais amplo. E ainda existe um obstáculo externo: a regulação, que muitas vezes pune mais quem oferece transparência do que quem especula sem gerar valor. Esse contexto ajuda a entender por que certas formas de DeFi demoraram mais para amadurecer.
O post de Vitalik não muda a realidade de um dia para o outro, mas funciona como um lembrete: o Ethereum já tem em mãos uma solução concreta e poderosa, tão simples quanto enviar ou guardar dinheiro sem permissão, e tão valiosa quanto abrir essa possibilidade para bilhões de pessoas. Esse pode ser o piloto automático que sustente a adoção, as receitas e, ao mesmo tempo, a credibilidade do ecossistema. Todo o resto seguirá crescendo sobre essa base, e na Kipu vamos continuar acompanhando esse caminho educativo e narrativo, do básico ao experimental, sempre com um olhar latino-americano.
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